Participação do paciente na tomada de decisões

Marina Bucar Barjud

Resumo


O paternalismo médico foi a base da elação médico-paciente durante muitos séculos.

Em alguns textos hipocráticos, evidencia-se a condição do enfermo como in-firmus, fraco não só do ponto de vista físico, mas também moral, dependente e obediente, o bom enfermo é aquele que faz o que lhe mandam sem pedir. Um exemplo é o seguinte extrato do texto “sobre a decência”.

"Faça tudo isso com calma e ordem, escondendo do paciente a maioria das coisas durante sua atuação. Dê-lhe as ordens apropriadas com gentileza e doçura e desvie sua atenção; às vezes repreenda-o com rigor e severidade, mas outras vezes encoraje-o com solicitude e habilidade, sem lhe mostrar nada sobre o que vai acontecer com ele ou seu estado atual; já que muitos vão a outros médicos por causa daquela afirmação, acima mencionada, do prognóstico sobre seu presente e seu futuro".

Esse pensamento permaneceu quase imutável durante os últimos 25 séculos.

O início do fim do paternalismo tem claro precedente em 1914, na sentença do desembargador Cardozo proferida em processo por falta de consentimento em intervenção cirúrgica onde ditou que um cirurgião que realiza uma intervenção sem o consentimento de seu paciente comete uma agressão pela qual os danos podem ser reclamados legalmente.

As experiências realizadas pelos médicos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial e o conhecimento de algumas pesquisas médicas posteriores foram realizadas sem informaçao nem consentimento, desrespeitando os direitos mínimos dos pacientes impulsaram o debate sobre os limites da experimentação médica e culminando no Código de Nuremberg, em 1947.

Nas últimas décadas o modelo paternalista foi sendo substituído gradualmente por um modelo com maior participação do paciente. Onde este toma a decisão após informação, alternativas e recomendação médica. Assim, a decisão é tomada após aportar ao paciente toda a informação necessária. É verdade que sempre haverá uma parte técnica que o paciente não será capaz de compreender, e por isso o médico dá suas recomendações. Entretanto, cabe ao paciente a decisão final baseado na informação técnica juntamente com sua situação social, inquietudes, considerações psicológicas e espirituais.

Esse modelo consolida a relação médico-paciente, trazendo benefícios para ambas as partes e para o sistema de saúde: envolve o paciente nos seus cuidados de saúde, aumentando a adesão ao tratamento, reduzindo cuidados e gastos excessivos e injustificados e, sobretudo, tem impacto positivo na qualidade de vida dos pacientes.

Dessa forma, o paciente “toma as rédeas” do seu processo pelo que esse modelo de decisão compartilhada protege e promove os direitos fundamentais dos pacientes.

Além disso, em situações de incerteza, serão tomadas decisões médicas que assegurem o pleno conhecimento do risco e de como esse pode ser reduzido.

A participação do paciente na tomada de decisão reflete o compromisso do profissional com o paciente como um ser digno e vulnerável que requer proteção, mas também respeito. Respeito pela situação de doente, mas também às suas crenças e medos. Respeitando seu direito de que nada sobre ela seja decidido sem ela.

A tomada de decisão compartilhada é um processo interpessoal e interdependente no qual o médico e o paciente interagem e se influenciam mutuamente, pois colaboram na tomada de decisões sobre os cuidados de saúde do paciente.

Alguns críticos acusam o modelo de abandonar o paciente. Entretanto, essa acusação não é o que foi comprovado nas extensas revisões sistemáticas sobre modelos de tomada de decisão compartilhada.

A ideia de equilíbrio e respeito entre os dois é essencial para a tomada de decisão compartilhada e um de seus principais objetivos é aproveitar a experiência de ambas as partes.

Durante a pandemia houve uma limitação da autonomia do paciente pela existência de um interesse de saúde pública que seria superior ao interesse individual. Entretanto, a limitação da autonomia do paciente se extendeu até mesmo após haver evidência de que a vacina anticovid gera apenas proteção individual, visto que não evita transmissão.

Esse é um claro retrocesso no direito dos pacientes, na relação médico-paciente e na relação entre instituiçõesde saúde e sociedade.

Deveríamos reinvidicar a volta da autonomia do paciente e das decisões compartilhadas.


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Referências


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DOI: https://doi.org/10.58969/25947125.6.4.2022.175

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